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COMUNICACOES 253 - MARIA MANUEL MOTA - SEM CIÊNCIA NÃO HÁ FUTURO

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À CONVERSAO MUNDO DA

À CONVERSAO MUNDO DA CIÊNCIA ERA DIFERENTEMUITO DIFERENTE LÁ FORA?Era muito diferente em Londres,mas ir para os Estados Unidos foiessencial. O mundo da ciência temo peso da cultura de cada povo.Os ingleses são muito contidose, portanto, o seu entusiasmoé contido. Quer tenhamos umresultado que pode vir a ser prémioNobel ou quer estejamos a trabalharhá um ano num artefacto, reagimosda mesma maneira. Não choramosnem damos 'pinchos de alegria'.Reagimos com uma certa dignidade.Eu não era nada assim, porque tinhao meu lado irrequieto. Se tenhoum bom resultado, dou 'pinchos dealegria'. Mas cheguei a Nova Iorquee a cultura era completamentediferente. Lá a ciência tem este ladode entusiasmo. Comecei a trabalharcom o Victor Nussenzweig, quandoele já tinha 72 anos, sendo que éa pessoa mais entusiasmada queconheci em ciência. Mas há muitosamericanos assim. Percebi que alipodia ser o que queria ser. Foramduas experiências que me abriram amundos completamente diferentes.GOSTAVA DE VIVER EM NOVA IORQUEE FOI O SEU ENTÃO MARIDO – QUECONHECEU NO INSTITUTO DE HIGIENEE MEDICINA TROPICAL E COM QUEMCASOU DURANTE O DOUTORAMENTO– QUE INSISTIU NO REGRESSO APORTUGAL, HÁ CERCA DE DUASDÉCADAS. FOI UM CHOQUE VOLTAR?Foi ótimo. Por mim teria ficadoem Nova Iorque ou em Boston,mas provavelmente uma dasminhas melhores características éque me adapto a novas realidades.Se houve algumas tensões – naponderação entre o “vamos e onão vamos”, pelo facto de termoslá muito mais oportunidades –depois de decidir, o “vamos”, essejá era o melhor plano de sempre.E fui para um sítio espetacular, oInstituto Gulbenkian de Ciência(IGC). O António Coutinho, entãodiretor, recebeu-me de braçosabertos. Portanto, acho que tiveimensas oportunidades paracrescer como cientista e fiz tudopara o fazer. Fiz a minha vida e foifantástico.MAS VIR QUASE DO BERÇO DACIÊNCIA E DA INVESTIGAÇÃO E, DEREPENTE, CAIR EM PORTUGAL, ONDEA CIÊNCIA É UM MUNDO À PARTE,MUITO REDUTOR, COM FALTA DEFINANCIAMENTO, FOI UM ‘BANHO DEÁGUA FRIA’?Foi um banho de realidade. Douum exemplo. No laboratório doVictor Nussenzweig, tínhamosum cartão de crédito dentro deuma gaveta e um catálogo enormecom todos os reagentes, que nósdepois pedíamos por telefone. Euindicava o número do reagente, omeu nome, o nome do laboratório,o número do cartão de crédito, e apessoa das compras confirmavase havia autorização para aquelecartão de crédito. Se em 24 horasnão estivesse na minha bancada oreagente que pedi, a universidadeera obrigada a dar-mo em duplicado.Quando cheguei ao IGC, que era omelhor sítio para fazer ciência emPortugal, nós encomendávamos e,no mínimo, demorava três semanasa chegar o mesmo reagente.Portanto, o planeamento tem deser completamente distinto. O meumindset teve de mudar para tentarajudar a criar um sistema melhor.QUANDO REGRESSOU, IMAGINOQUE TIVESSE DE TRABALHARDESMESURADAMENTE. COMO ÉQUE CONSEGUIU EQUILIBRAR UMACARREIRA CIENTÍFICA EXIGENTE COMA VIDA PESSOAL E FAMILIAR, TENDODUAS FILHAS?Não é fácil. Mas não sinto culpa,algo em que a educação católicanão me atingiu. Faltar ou chegar ameio da aula de ballet aberta aospais não é um problema. Não sintoesse tipo de culpa que vejo ao falarcom muitas amigas e, hoje emdia, também com homens. Se metelefonassem do infantário, e issoaconteceu, a dizer que a minha filhaA estrutura deciência deveria serindependente dopoder político sermais à esquerdaou mais à direita,porque o que estáem causa é a criaçãode conhecimentopara o país. Estedeveria ser um pilartransversal e emque todos estivessemde acordo e nós,enquanto instituições,adaptarmo-nos.se cortou e foi para o hospital, paravatudo o que estava a fazer. Podia ser acoisa mais importante do trabalho,mas parava tudo e estava lá a dar-lhea mão. Mas partia do princípio quequando as punha no infantário,era o melhor sítio do mundo paraestarem. E eu tinha de ir para omeu outro mundo. Mas tambémacho que escolhi muito bem o meuprimeiro companheiro, porque éum pai extremoso. Ele estava muitopresente.NA SUA CARREIRA, ALGUMA VEZSENTIU QUE TEVE DE “PROVARMAIS” POR SER MULHER?Digo sempre que não, porquenunca senti discriminação. Maso problema é o que consideramosser discriminação. Durante apandemia, alunas da UniversidadeNova organizaram uma iniciativaonline onde estavam sete ou oitomulheres, entre as quais a ElviraFortunato, a Mónica Bettencourt--Dias e eu. Na sessão final, aquestão central era sobre quandoé que se sentiram discriminadase de como gostariam de não seter sentido. Uma atrás da outradisseram que nunca se sentiramdiscriminadas, que semprefizeram pela sua vida. Pensei oseguinte: “Não posso responderisto”. Então dei um exemplo, quese passou comigo e com o VictorNussenzweig. Um colega pós-docfoi de férias e o Victor queria queeu fizesse o seu projeto. Respondi:“Victor, desculpa lá, mas eu nãovou fazer isso”. E ele disse-me naaltura, e a partir dali disse-momuitas vezes em relação a outrascoisas: “lá está, é por isso quenunca vais ser nada na vida.E depois queixam-se que asmulheres não o são”. Se ouvesa vida toda que não és boa osuficiente, porque não tensas características suficientespara chegar lá acima, começasa planear a tua vida para nãochegar lá acima. Essa é a maiordiscriminação que há. É umadiscriminação silenciosa, masque está sempre lá. De certezaque o que eu ouvi do Victor,todas aquelas mulheres ouviramou souberam que disseram. Jánão consideramos que isso édiscriminação e dizemos quechegamos lá acima porque fomosboas o suficiente. Isso é o pior quepodemos fazer pelas mais novas.QUE RECOMENDAÇÃO DARIAÀS JOVENS QUE VÃO PARAA SUA ÁREA?Acho que a recomendação éfazerem o que lhes apetecer fazer.Estou a dizer isto e até estou umbocadinho emocionada, a pensarna conversa que tive ontem coma minha filha mais velha. Semprefoi boa aluna – entrou no Técnicoe está a acabar o mestrado – e éuma pessoa muito mexida. Fazvoluntariado há uns sete ou oito anos18 | APDC | REVISTA COMUNICAÇÕES | JUNHO 2025 JUNHO 2025 | REVISTA COMUNICAÇÕES | APDC | 19

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