a conversa “Gosto muito de novos desafios, mas tenho um foco absoluto na rotina, na organização. O meu gabinete não tem uma única folha de papel em cima da mesa. A mania de organização estende-se à casa, ao carro e a todas as facetas da vida”, conta Pedro Arezes 20 túrbio, aquilo que os psicólogos chamam de “neurodivergência”. Como assim? Não está sempre à procura de novos desafios? Gosto muito de novos desafios, mas tenho um foco absoluto na rotina, na organização. O meu gabinete não tem uma única folha de papel em cima da mesa. A mania de organização estende-se à casa, ao carro e a todas as facetas da vida. Não era um miúdo rebelde… Não. Era muito bom aluno, bem comportado. Passei por inúmeros desportos, fui federado no ciclismo, no karaté, fiz patinagem, mas não era realmente bom em nenhum deles. Enfim, sempre fui razoável, mas nunca me destaquei. O meu pai tinha visão, empurrou-me para o estudo do inglês e foi quem me ofereceu, sem eu pedir, o meu primeiro computador. Além disso, foi ele que nos proporcionou as viagens, quando isso não era muito comum. Diz que não se destacou na adolescência, mas destacou-se na universidade… Só comecei a ter muito boas notas no início do terceiro ano do curso. No final desse ano os professores convidaram-me para trabalhar em projetos. No início do quarto ano já era monitor, dava aulas a colegas mais velhos do que eu… Comecei a ter um grande orgulho, foi uma espécie de bola de neve e acabei por me dedicar à carreira universitária, que foi quase meteórica. Na minha família direta, sou o primeiro licenciado, o primeiro mestre, o primeiro doutor. Estar ligado às universidades, à produção de saber e conhecimento, é uma forma, como a política, de intervir no mundo? Não tenho dúvidas disso. De facto, tem um impacto muito grande na sociedade. E isso para si é importante? Sim, muito. Tenho uma sensação de retribuição. De forma muito palpável no empenho que coloco nas
duas organizações onde tenho trabalhado mais de perto: a Universidade do Minho e o MIT Portugal. Aceitar o desafio do MIT Portugal representou para si uma evolução dessa contribuição para a sociedade? Sim. Comecei como diretor nacional do MIT Portugal em 2016, mas o programa tinha arrancado dez anos antes. Nesse período, de 2006 a 2016, já estava envolvido com o programa, já tinha passado pelo próprio MIT, numa das minhas licenças sabáticas, mas nunca me vi a ter um papel de relevo. Portanto, em 2016, quando me é feito o convite pelo ministro da altura, Manuel Heitor, fiquei muito surpreendido, porque na universidade não tinha um cargo de gestão, apesar de já ser professor catedrático. Sentiu o convite como um reconhecimento? Sim, um reconhecimento a que eu não podia dizer que não. Empenhei-me com tudo que tinha e com toda a minha energia. E isto mudou totalmente a minha vida. Porque uma coisa é fazer uma carreira académica brilhante, outra é ser um líder… ser aquele que está na boca de cena… Esse lado da liderança foi um grande desafio. Sinto que foi fruto do meu trabalho, mas também de um timing. Às vezes é preciso estar no sítio certo, no momento certo. Além disso, eu tive pessoas que me aconselharam muito bem, mentores, orientadores… Faz lembrar aquele verso do Sérgio Godinho: “Pode alguém ser quem não é?”. O que somos é muito o resultado das pessoas com quem nos cruzamos. Qual o mentor que mais o influenciou a ser a pessoa que é hoje? O professor Sérgio Miguel. Foi presidente da Ordem dos Engenheiros e marcou-me profundamente, não apenas do ponto de vista académico, mas na vida. São inesquecíveis as viagens que fizemos juntos, as experiências, o que aprendi com ele, a forma como isso moldou a minha visão do mundo. Ele era um melómano, ensinou-me tudo o que sei sobre música, expôs-me à ópera e a muitas outras experiências. Infelizmente já faleceu. “Tive de lidar com gente de grande relevância estratégica e senti que a única forma de compensar a gratidão por estar naqueles palcos era pôr o melhor de mim no projeto” No mundo da universidade, fez sempre questão de furar a barreira do académico tradicional, mas foi com o MIT que saiu da sua zona de conforto? Sim, foi o MIT que me expôs a novos desafios, não só no contexto nacional, mas também internacional. Ao contrário do que muita gente pensa, o MIT americano tem muito orgulho desta ligação com Portugal, porque é uma das suas parcerias mais antigas e mais bem-sucedidas. Por vezes sinto alguma frustração porque a nível nacional há pessoas que põem isto em causa. Viu-se num contexto de grande exposição mundial… Sim. Tenho colegas um pouco por todo o mundo que querem conhecer melhor a nossa parceria. Atenção que esse mérito não é meu. Na verdade, o grande mentor destas parcerias foi Mariano Gago. Ele não foi apenas um excecional ministro da Ciência, foi uma pessoa com grande influência política e isso foi determinante. Isso fez toda a diferença na altura. Mas a verdade é que se viu com todos os holofotes em cima de si. Sim. Tive de lidar com gente de grande relevância estratégica e senti que a única forma de compensar a gratidão por estar naqueles palcos era pôr o melhor de mim no projeto. Foi isso que tentei fazer, sempre. Com enorme entusiasmo, com muita satisfação. Que balanço faz dos primeiros anos do MIT, das duas primeiras fases? Foram absolutamente centrais para o sucesso que o programa teve posteriormente. Na altura, o programa tinha elevada visibilidade, uma grande exposição mediática. Os primeiros anos foram a base da parceria. Os programas de doutoramento, mestrado e mestrado executivo para estudantes de Portugal e de todo o mundo eram transversais apenas a seis universidades. Na altura, isso foi um pouco mal encarado, porque no contexto nacional, pequeno em termos de escala, as universidades sentiram que a aposta foi elitista. E foi? Sim, e o MIT não escondeu isso, não teve qualquer pudor nas escolhas que fez. É como um jardineiro que tem pouca água e tem de fazer escolhas. Em vez de dei- 21
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