a conversa quando ele era ministro das Finanças, e isso não o impediu de me convidar para esta função. E é, talvez, também por isso que ele a respeita? Sim. Admiro muito as pessoas que aceitam a crítica, veem a parte construtiva. Traz toda uma bagagem de conhecimento para acrescentar valor a ANACOM, é isso? Sim, acrescentar valor é o que pretendo. No setor das comunicações, temos de olhar também para o lado da procura, não é só para o lado da oferta. O desafio é muito grande e julgo que posso dar um contributo válido. No seu último texto de opinião no Expresso afirma que o principal valor para este ano é a empatia. Vem trazer a empatia para a ANACOM? Espero que sim! Gostava muito que as pessoas conseguissem olhar para o outro e percebessem que, se ele não entregou aquele trabalho naquela hora ou exatamente como tinha sido combinado, talvez haja algo por detrás disso. Perceber que há sempre uma razão e a razão talvez seja a pessoa não estar feliz ou motivada aqui. A empatia é muito importante nas organizações. É um valor que deveríamos ter sempre connosco. Foi na infância que forjou essa empatia? Essa sua preocupação com o outro? Há quem diga que o segredo, o mistério, está na infância. Está nessa dimensão silenciosa, submersa, escondida que todos trazemos. É de pequenino que se torce o pepino, lá diz o ditado. E não é com palavras que se faz isso. Não é porque me disseram: “Tens de te portar bem, tens de ser bondosa, tens de respeitar o outro”. A empatia é muito importante nas organizações. É um valor que devíamos ter sempre connosco E como foi crescer com um pai ausente e uma mãe muito presente? Como foram esses tempos de infância? Eu achava o máximo, sempre achei. Para mim, o facto de o meu pai ter estado fora também me fez querer conquistar o mundo. Marcou muito a minha visão da vida. Nunca vi os meus pais discutirem, nunca assisti ao rame-rame, à acomodação. Sempre que estavam juntos, parecia que estávamos de férias. Com a minha mãe sempre tivemos – eu e a minha irmã – muita cumplicidade, uma grande amizade. A vida entre Portugal e Angola foi também uma oportunidade de conhecer um outro continente e, sobretudo, uma realidade social totalmente diferente? Sim. Estávamos em plena guerra civil em Angola. Era fácil perceber as dificuldades que as pessoas tinham lá – toda a gente, porque a guerra é muito democrática nesse sentido. Isso formou a nossa visão do mundo. Não havia água nem comida para comprar, não havia luz. Íamos para a fila das senhas para os frangos. À época, vivia-se muito o racismo. À minha irmã partiram-lhe a cabeça com as pedradas que nos atiravam. Foi preciso ter muita empatia. Lembro-me de vários episódios que me marcaram. Na altura, eu fazia coleção de latas e pedia aos miúdos locais para as recolherem para mim. Em troca, eu dava-lhes comida. Uma vez, eles apanharam um saco enorme de latas, de todos os tamanhos e feitios, e eu fiquei super feliz… Mas destruíram as latas à minha frente. Cada lata. Uma a uma. Isto deixa uma marca. Foi preciso aprender que, por detrás desta atitude, havia uma razão muito forte. E os seus pais explicavam- -vos isso, tinham essa narrativa… Sim. Nos anos 80 Portugal estava ainda muito atrasado, mas para nós era um paraíso. Um paraíso, realmente. Quando chegávamos, podíamos abrir a torneira e beber água. Em Angola não havia água. Além do lixo, do esgoto a céu aberto. 20 Foi com os atos, com os exemplos a que assistiu, que desenvolveu o seu sentido de justiça? Em que é que ele se revela? No meu caso, a experiência que tive em Angola foi muito importante. O meu pai viveu lá 35 anos, como engenheiro de telecomunicações, na Angola Telecom. Durante todo o meu crescimento, andei entre cá e lá. Essa experiência em Angola marcou o seu posicionamento perante os problemas sociais e do mundo, não olhando apenas para o seu quintal? Sempre. Ter, genuinamente, o interesse de perceber a fundo histórias de vida de cada pessoa. O que está por detrás, como é que se chegou ali, como é que é aquela vida. A educação é muito importante, é o maior
elevador social, mas depois há também escolhas erradas, estar no sítio errado, na hora errada. Tudo isso me fascina. Tenho uma genuína preocupação social, com empatia, sem crítica. Procuro sempre perceber o porquê. O porquê é muito importante, até para definir as políticas públicas. Perceber as motivações das pessoas, sobretudo das mais vulneráveis. Perceber, por exemplo, porque é que gente pobre, que se alimenta de patas de galinha, tem um carro à porta. Foi daqui que nasceu o seu interesse pela economia comportamental e experimental? Em parte, sim. Mas também contribuíram os tempos na Universidade Católica, muito fechada, muito neoclássica, em que “isto é assim porque tem de ser assim”. Nada se questiona. Foi quase em jeito de reivindicação. Lembro-me de que, na altura, o professor Fernando Branco, que já faleceu, me disse que não me passaria a carta de recomendação para concorrer à bolsa se eu teimasse em seguir esta área do conhecimento. E eu teimei. Era o que me motivava. “Tenho uma genuína preocupação social, com empatia, sem crítica. Procuro sempre perceber o porquê. O porquê é muito importante, até para definir as políticas públicas” Foi por isso que optou por se ir embora de Portugal e ter outras experiências, abrir o mundo? Sim, sempre o quis fazer. Quando fiz 18 anos, comprei um bilhete de avião para ir passar uma temporada no sul de Inglaterra com o meu namorado e só disse à minha mãe depois. No regresso, no avião, sentei-me ao lado de uma rapariga, com cerca de 25 anos, bióloga, aluna de doutoramento, e ela trazia um póster científico que tinha apresentado numa conferência académica. Tinha escrito um paper e estava a percorrer a Europa a mostrar essa investigação. Aquilo foi uma revelação. Naquele exato momento percebi que era possível continuar a estudar, fazer um doutoramento, e viajar pelo mundo a partilhar o que escrevemos. Porque escolheu Economia? Foi a sua avó que lhe ensinou a importância de gerir a vida financeira, quando era pequenina e ia consigo ao supermercado? Ela que geria as poupanças com tanta parcimónia? Isso marcou-a nas escolhas que fez? Talvez… A minha irmã tem essa teoria, de que foi a minha avó que me influenciou. Foi com ela que percebi que adoro memorizar números, é uma espécie de hobby, não sei explicar… Descontraio a memorizar as matrículas dos carros, os números de telefone e os preços no supermercado. Quando era pequena, gostava muito de brincar com a caixa registadora, sempre gostei do contar moedas. Relaxa-me. 21
Loading...
Loading...