em destaque|digital union 30 se orienta em torno de quatro eixos: a independência editorial, o aumento da transparência, a proteção dos conteúdos nas plataformas online e a cooperação entre entidades nacionais e europeias. As principais novidades que o advogado da VdA identificou neste documento são medidas que visam proteger a independência editorial dos fornecedores de serviços de comunicação social, através de uma série de direitos que lhes são reconhecidos. Uma das propostas é a da proibição de medidas adotadas pelo Estado ou por entidades privadas que tenham como efeito a interferência nas políticas e decisões editoriais. Tiago Bessa também referiu como relevante a proibição de “quaisquer tentativas de revelação de informações, incluindo as fontes utilizadas pelos jornalistas”, bem como “a instalação de mecanismos de vigilância e de espionagem dos fornecedores de serviços de comunicação social”. No reforço da proteção da atividade jornalística independente também existe a preocupação de o legislador “ obrigar os Estados -membros a ter mecanismos que permitam aos fornecedores de serviços de comunicação social recorrerem rapidamente a uma entidade quando sentirem os seus direitos violados”, apontou Tiago Bessa. A obrigação de assegurar a divulgação de informação sobre os proprietários dos órgãos de comunicação social também é outra medida relevante nesta proposta, que visa despistar conflitos de interesse que possam afetar a independência editorial. Existe outra novidade relevante nesta proposta da comissão, desta feita relativamente à moderação de conteúdos pelas plataformas digitais, que determina que essa moderação não se pode basear unicamente em decisões algorítmicas, sendo pois necessário haver recursos humanos que façam essa avaliação. Além do Comité Europeu dos Serviços de Comunicação Social, uma entidade que já existe e cuja margem de manobra a CE pretende alargar, o European Media Freedom Act cria uma figura nova, a do Grupo de Peritos, que terá representantes da indústria do setor e da sociedade civil, cuja função é a de assessorar e fiscalizar a atividade regulatória do comité. Este conjunto de medidas que Tiago Bessa destacou para análise foram o mote para a discussão que veio a seguir entre os representantes de três dos maiores players do setor da comunicação social em Portugal. Como A obrigação de divulgar informação sobre os proprietários dos órgãos de comunicação social está prevista no documento profissionais do terreno, revelaram sobretudo preocupação quanto à real eficácia de algumas delas. E no ar deixaram a certeza de que os desafios que hoje se colocam ao setor não deixam, sequer, entrever o que se seguirá no futuro. PONTAS SOLTAS “A autonomia não é apenas uma questão regulamentar, a autonomia também tem a ver com a sustentabilidade dos projetos em que estamos” – António José Teixeira, cuja intervenção abriu o debate, pôs o dedo na ferida, sublinhando que legislar é importante, mas não é tudo. Admitindo que “em Portugal ainda temos um ecossistema de baixo risco, ou risco médio quando se olha para questões de pluralismo e autonomia editorial”, realça que em contrapartida “a transparência da propriedade é uma questão crítica” no país: “Podemos ter atores no mercado cuja razão de ser não conhecemos e que obviamente prejudicam a saúde e a convivência dos vários projetos”. Nesse sentido saúda o facto de o diploma comunitário pretender introduzir normas que promovem a transparência quanto à propriedade dos órgãos de comunicação social, pois esse é um fator de confiança, que favorece a independência editorial e tem repercussões não só na “saúde da democracia, mas também na saúde das empresas”, porque “a confiança do mercado também depende disso e o facto de todos respeitarmos regras semelhantes introduz uma convivência mais saudável”. Partilhando as mesmas preocupações, Ricardo Costa apontou o dedo ao regulador: “Nós temos um problema não na lei, mas no controlo, que é totalmente ineficaz”. E cita exemplos: “O Álvaro Sobrinho foi dono de um jornal em Portugal durante vários anos e a Isabel dos Santos não teve um canal de TV por um triz, embora não cumprisse nenhuma regra de compliance para poder ser dona de um órgão de comunicação social”. Mas a questão da falta de transparência da propriedade dos órgãos de comunicação social sendo crítica, não foi o que o diretor de informação da SIC identificou como o principal problema do setor. “As grandes plataformas online”, frisa, “é que alteraram totalmente o ecossistema de media”, pois nunca antes tinham surgido no mercado “empresas com um poder global tão grande como estas empresas transnacionais, que têm controlo nos vários vetores da cadeia de produção, distribuição e consumo, porque produzem software, são
plataformas de distribuição, são plataformas de venda de publicidade e de medição de audiências”. Como fazer para subsistir face a tão imenso poderio? Nuno Santos confessou que o que mais o inquieta “é se os media convencionais têm capacidade para ir ao mercado e conseguir captar receitas suficientes para manter o mesmo tipo de atividade. A verdade, sublinha, é que “aconteceram imensas coisas para as quais os media convencionais, os reguladores e os Estados não estavam preparados. E isso faz pensar: com tudo aquilo que temos à nossa frente e não conhecemos, será que estamos preparados para o que vem a seguir?” Mesmo para o que já está a acontecer, Ricardo Costa tem dúvidas de que os players convencionais do setor estejam preparados: “Com todo o respeito pelo Direito e muito respeito pelo Jornalismo, se não percebermos a lógica das plataformas, não estamos a perceber do que estamos a falar”. Um dado relevante é que, sublinha, “as plataformas não jogam na ilegalidade, jogam numa coisa que é muito mais inteligente: estão à frente da lei. Havia um claim que se usava muito em Silicon Valley, quando estas empresas começaram, que era: ‘Move fast and break things” e esse é o lema da maior parte das tecnológicas, porque entendem – e em parte têm razão – que a regulação pode limitar a criatividade e a inovação. É muito difícil contrariar este princípio, porque é verdadeiro”. No âmbito da IA, lembrou, uma das discussões gira precisamente em torno das iniciativas europeias que se estão a tomar no sentido de regular este mercado: “O que se diz é que se a Europa regular demais todo o crescimento da IA vai surgir nos EUA ou na China e coloca a Europa numa situação complicada”. António José Teixeira concorda que “a globalização é muito difícil de regular e estas grandes plataformas talvez sejam a expressão máxima desta globalização”. Perante a transnacionalidade destas organizações, “o que fazer”, pergunta, “se existe sempre escapatória”? Em relação à dificuldade de encontrar abordagens que se adequem à nova realidade que a tecnologia trouxe, o diretor da CNN Portugal chamou a atenção para as assimetrias que certas leis involuntariamente geram no mercado: “No dia de reflexão”, exemplificou, “por lei os media estão proibidos de dar notícias sobre a campanha eleitoral, mas nos sites está lá tudo”. Isto, salienta, “diz muito sobre o trabalho que não foi feito pelos reguladores face às mudanças que ocorreram no mundo”. A sustentabilidade das empresas jornalísticas foi identificada como o maior problema da comunicação social em Portugal A figura do regulador europeu, que o European Media Fredom Act pretende reforçar, também suscitou comentários, nomeadamente de Ricardo Costa, que sublinhou o muito cuidado que se deve ter em assegurar a sua efetiva independência. A propósito de regulação, também frisou a necessidade de se repensar o tipo de intervenção que os reguladores devem ter em questões como a concentração de empresas convencionais de media, já que as grandes plataformas transnacionais não são sujeitas a qualquer tipo de restrições. Sobre a qualidade do jornalismo que hoje se pratica, Nuno Santos identificou a sustentabilidade das empresas jornalísticas como o maior problema da comunicação social em Portugal e deixou uma pergunta no ar: “Se as receitas que as empresas de media geram não forem suficientes para produzirem bom jornalismo, como vai ser?” Por seu turno, António José Teixeira trouxe à discussão o tema da velocidade, que considera muito crítica no jornalismo. “Não podemos desguarnecer uma frente quase instantânea da atualidade”, sob pena de “pôr em causa a sobrevivência do jornalismo e a sua justificação”, salientou. “Mas precisamos de libertar jornalistas para fazer jornalismo mais lento, que acrescente valor”. O problema, hoje em dia, é ter de gerir as duas frentes, adianta. Nuno Santos refere a necessidade de se estar presente em múltiplos canais: “É preciso pôr no ar um canal de 24h de informação, é preciso ter sempre atualizado um site, é preciso produzir posts para as redes sociais e fazer os jornais generalistas, que têm outro ritmo”. Só é possível responder a tudo isto com recurso à tecnologia. Ricardo Costa admite que tecnologia e jornalismo sempre andaram de mãos dadas e que por isso as novas tecnologias não são o inimigo, pelo contrário. Mesmo o uso de inteligência artificial para escrever notícias, desde que meramente factuais, como as da meteorologia, as que divulgam resultados desportivos ou a performance das bolsas, não lhe desperta qualquer objeção. O que é preciso é corrigir as assimetrias que hoje se observam no mercado, ajustando as leis, dando condições aos reguladores para exercerem as suas funções e proteger a atividade dos jornalistas. Para que as notícias sobre a morte anunciada do jornalismo não passem de simples fake news.• 31
MANTEMOS A EUROPA CONECTADA, com um
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