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COMUNICAÇÕES 248 - VIRGÍNIA DIGNUM: IA RESPONSÁVEL PRECISA DE "REGRAS DE TRÂNSITO"

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a conversa 20 os

a conversa 20 os algoritmos que permitem a um computador fazer criações baseadas num modelo do mundo que construiu. Agora constroem-se esses modelos baseados em dados – dá-se milhões de exemplos ao computador. Na altura, em vez de dados, transmitíamos regras. Em vez de fornecer ao computador milhões de fotografias de cães e de gatos para depois lhe pedir: “Vê se há alguma diferença entre as duas coisas”; tentávamos explicar à máquina as diferenças entre um cão e um gato. Tinha vantagens e desvantagens. Uma das vantagens é que era muito mais transparente a maneira como o computador percebia, pois só de “olhar” para as imagens e registar as diferenças o computador não entende bem o que distingue um cão de um gato. A desvantagem é que não era tão fácil, rápida e eficiente a maneira como os modelos eram construídos. Uma das coisas que tornou possível o atual modelo foi a internet, que proporcionou dados às catadupas. E também o aumento da capacidade de processamento. Os primeiros computadores com que trabalhei, nos anos 80, tinham menos capacidade do que os nossos telefones têm agora. E, no entanto, eram computadores do tamanho de uma casa. Na verdade, os princípios das redes neuronais já existiam, não havia era esta capacidade de processar que temos agora. Depois de dez fotografias de gatos, aqueles antigos computadores ficavam entupidos (risos). É uma workaholic? Sou uma hobbyholic. Porque me é difícil distinguir entre os hobbies e o trabalho. Falar do tema da IA não me cansa. Também viveu e trabalhou fora da Europa… Sim, quando acabei o mestrado na Holanda, ao mesmo tempo o meu marido acabou o doutoramento e fomos para África criar (mais ele do que eu) o curso de Computação na Universidade da Suazilândia (atual Essuatíni). Nessa altura trabalhei em várias companhias para o desenvolvimento informático básico do país. Fiz o primeiro programa de administração para o banco nacional da Suazilândia. O que havia antes eram caixas com papéis. Essa parte de apoio ao desenvolvimento social e económico foi uma experiência muito importante. Estivemos lá no início dos anos 90. Coincidiu, por exemplo, com a libertação de Nelson Mandela. Estávamos mesmo ao lado da África do Sul, e sentimos muito o impacto desses acontecimentos. O trabalho que estou agora a fazer com as Nações Unidas é o de criar os meios e a literacia para que as pessoas saibam como é que se usam estes sistemas A oportunidade de vir para Portugal aconteceu logo a seguir… É verdade. Depois viemos para Portugal, onde consegui uma bolsa de doutoramento para o Técnico no grupo da IA e o meu marido entrou para a posição de professor assistente no mesmo grupo. Estivemos cá um ano, a seguir regressámos à Holanda. Como é que foi parar à Suécia? Desafiaram-me. A Suécia tem um enorme programa financiado por uma fundação privada, que neste momento está a suportar cerca de 500 alunos de doutoramento e várias dezenas de professores, quase todos convidados para vir para a Suécia. Como foi mudar da Holanda para a Suécia? A primeira mudança de país é que é difícil. O resto é uma aventura. Depois disso tiraram um ano sabático na Austrália… Sim, em 2006. Conhecíamos lá investigadores com quem trabalhávamos bastante. Naquela altura tivemos oportunidade de ir para lá. Tem um lado de globetrotter… Quando as pessoas me perguntam de onde venho, normalmente respondo: “Sou europeia”. De facto, sou portuguesa, mas entretanto também passei a ter nacionalidade holandesa, agora vivo na Suécia… Há alguma característica sua que reconheça ser intrinsecamente portuguesa? O que eu digo muitas vezes aos meus alunos é que sou uma combinação muito perigosa da maneira de ser extremamente direta dos holandeses e da paixão com que os portugueses falam. De vez em quando, essas duas coisas combinadas dão uma bomba. Os meus alunos já têm sofrido com essa combinação (risos). Gostaria de voltar para Portugal, um dia? A próxima fase da nossa vida é provavelmente a reforma. Na reforma, sim, claro, regressamos a Portugal. Mas vir trabalhar para Portugal, neste momento, não é possível, principalmente pela maneira como a estrutura académica em Portugal está organizada. Nós não fizemos doutoramentos em Portugal, não fizemos a agregação. Nem eu, nem qualquer outro português que seja professor catedrático fora de Portugal, pode ser

“Um programa de computação não acorda de manhã e decide: ‘Hoje vou destruir a Humanidade’” integrado na academia. Quem fez a carreira académica fora de Portugal não pode entrar. O António Damásio, por exemplo, se quisesse, também não podia. Mas colaboro com muitos portugueses em projetos científicos europeus, subsidiados pelos programas de investigação da Europa. A área que escolheu neste momento e em que está a dar aulas, a da IA Responsável, chegou-lhe com a experiência e com o tempo… Só mudei para a vida académica no princípio dos anos 2000. Antes, estive muitos anos a trabalhar em empresas privadas, também em IA, criando projetos de desenvolvimento em situações reais: fábricas de automóveis, bancos, supermercados, etc. Portanto, aí vêse diretamente o impacto que estes sistemas têm. Isso não acontece quando se está na universidade. O que é mais compensador, ver os impactos reais ou fazer investigação? Precisamos das duas experiências, porque às tantas o problema de ver os impactos reais é que acaba por limitar-nos na maneira como tentamos resolver esses problemas. A possibilidade de ser criativo, de fazer experimentação sem ter o impacto direto também é importante. Voltando à pergunta: foi o somatório das suas experiências que a levou a interessar-se pela IA responsável? Sim, começou a interessar-me mais. O meu doutoramento foi não tanto sobre o impacto ético, mas sobre o impacto organizacional: as empresas que introduzem programas e sistemas de IA têm de mudar a sua organização. Há quem diga, ao falar do que poderá ser a evolução da IA, que não se pode parar o vento com as mãos. Também sente isso? Creio que não. O que os media nos querem convencer é que a IA é uma coisa como o tempo: acontece. A única coisa que podemos fazer é ler o boletim meteorológico e decidir se vamos levar um guarda-chuva ou não, mas a IA não é o tempo. A IA não nos acontece. Nós fazemos esses sistemas. Mas depois pode deter-se a investigação? Porque há pessoas que não são razoáveis… Os martelos, usados na construção, também podem ser usados para agredir. Os carros, que servem para nos deslocarmos, também podem matar. Um programa de computação não acorda de manhã e decide: “Hoje vou destruir a Humanidade!”. Não funciona assim! 21

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