a conversa 26 -me o salário. Basicamente, tinham as regras feitas e as tarefas definidas e eu tinha de executar, aceitar e pronto. Mas aqui é diferente, aquilo que me dizem é que tenho de alcançar resultados, e quem define o processo sou eu”. O que ele sente é que nas empresas portuguesas o contexto é muito adverso, no que diz respeito à progressão de carreira e aos desafios profissionais que lhe são lançados. Tem todos os filhos a trabalhar fora? Não, porque o terceiro ainda não tem idade para ir. Este é o grande problema da nossa economia: agora que começámos a qualificar o capital humano, não demonstramos capacidade de o absorver. Não é um tema de impostos, não é apenas um tema de salários. É sobretudo a maneira como dizemos aos mais novos que contamos com o contributo deles nas empresas. Somos o país da Web Summit, temos um ecossistema empreendedor florescente, batemos recordes de investimento estrangeiro em centros de competências tecnológicos, o nosso talento é muito procurado. Mas temos um grande problema ao nível do talento. Não só somos procurados pelo nosso talento, como também somos um país onde as empresas internacionais sabem que, se criarem aqui centros de operações tecnológicos ou industriais, conseguem atrair facilmente talento de outros países porque as pessoas gostam de vir para cá trabalhar. Temos todas as razões para acreditar, apesar da conjuntura complicada que vivemos neste momento? Acho que sim. Aliás, acho que a conjuntura não está assim tão complicada, porque temos a economia a crescer, temos forte criação de emprego. Os problemas que temos são muito diferentes dos que tínhamos há 12 ou 13 anos. Nessa altura, as dificuldades eram de subocupação da nossa capacidade, tínhamos mais pessoas do que empregos disponíveis, casas vazias que ninguém queria comprar, investimento em baixo, a economia que não crescia, etc. Hoje o que temos é uma economia que cresce e que cria emprego. Não há pessoas para os lugares disponíveis, as casas tornam-se caras, porque há mais procura do que oferta. Acho que isto são melhores problemas do que tivemos no passado, sem dúvida. “Não partilho nada desta ideia de que a economia portuguesa está estagnada há 20 anos. Não acho que seja verdade!” Ainda é possível à Europa liderar em termos tecnológicos, tendo em conta os enormes avanços de outras geografias, particularmente os EUA e a China? Parece que andamos sempre a reboque. Veja-se o exemplo das ajudas diretas às empresas: só reagimos depois de Washington avançar com um mega pacote para proteger as suas empresas… Há meia dúzia de anos, a Europa começou a perceber que estava numa situação muito difícil do ponto de visto económico e tecnológico, porque o modelo europeu é extremamente frágil estrategicamente. A nível tecnológico, nós liderávamos certos setores, como a automóvel, os transportes, etc. Mas as tecnologias do futuro não as dominávamos – estavam a ser desenvolvidas nos Estados Unidos e na China. Portanto, passámos a ser tomadores de tecnologia. Isto é gravíssimo. Se não detemos o maior valor, não somos capazes de gerar excedentes para pagar o nível de vida dos europeus. Há uma década que se sente isto como um problema: a perda da liderança tecnológica. Além disso, temos uma dependência estratégica absolutamente decisiva de matérias-primas e de componentes, de energia, recursos minerais, componentes críticos em vários setores. Começámos a perceber que comprávamos tudo fora. E a guerra veio a agudizar esse sentimento, não foi? A guerra e a pandemia. Fizeram-nos perceber que nos faltavam coisas essenciais para a vida das nossas populações. E esta noção de fragilidade e de dependência estratégica já lá estava. Somos um continente sem capacidade militar, o que é complicado, porque estamos dependentes do exterior. A Europa sempre dependeu da proteção dos Estados Unidos. E o que está a ser feito? Em 2021 aprovámos um pacote de 750 mil milhões de euros para investir em tecnologias digitais na autonomia e resiliência estratégica e na transição climática. É isso que os Estados Unidos estão a fazer agora. Mas como eles têm uma união política muito forte, quando tomam uma decisão, avançam muito depressa. O problema da Europa é que todos os países europeus – qualquer um deles, mesmo a Alemanha – são demasiado pequenos para serem internacionais. Só em conjunto é que temos dimensão para enfrentar os desafios globais com os quais nos comprometamos, mas não temos
ainda uma união política. Esse é o problema. Se quisermos determinar o nosso destino coletivo, precisamos de ganhar capacidade política que, neste momento, não temos. Deixar de pensar a 27 e começar a pensar como uma única entidade? Exatamente. A pandemia e a guerra estão a acabar com a globalização económica e a reforçar a globalização digital? Não sei. O que vejo – com as reações ao TikTok nos Estados Unidos e a forma como, na China, também não entram certos produtos e serviços digitais – é que nos mercados digitais há uma barreira entre quem acredita numa internet livre e quem acredita num mundo digital fechado e controlado pelos Estados. Portanto, não acho que exista propriamente globalização. Aquilo que determina esta “desglobalização”, ou esta fragmentação, é a constatação de que a China e a Rússia não partilham dos nossos valores. O modelo de economia global que construímos nos últimos 30 anos – que criou a ideia de que tínhamos uma espécie de contexto que favorecia a paz e a convivência pacata entre nações partilhando os mesmos valores – não tem razão de ser. Portanto, é preciso repensar tudo. A globalização foi uma escolha política feita há 30 anos, depois do fim da Guerra Fria, pensando que isso facilitaria a paz mundial. Mas hoje sabemos que não é assim. Como é que imagina a Europa do pós guerra? Mais forte e mais unida? Ou a Europa sai disto mais unida e com mais capacidade política, ou vai entrar num grande período de decadência. Não apenas de decadência relativa. Aquela decadência de não sermos capazes de manter o nível de bem-estar a que as populações europeias se habituaram. Para que tal não aconteça, precisamos de capacidade política. O grande problema que temos é que a atual forma de funcionamento europeia torna difícil tomar decisões e fazer as reformas de que precisamos no processo de decisão. Temos, dentro da união Europeia, perspetivas muito diferentes sobre o que deve ser o futuro. Isso preocupa-me. É a coisa que me preocupa mais. “As nossas elites comprazem-se em ser cada vez mais sofisticadas e elegantes a dizer mal do país, como se o país não tivesse esperança” O que precisamos de mudar? Precisarmos de ter capacidade orçamental reforçada para fazermos investimentos. Veja-se, por exemplo, as ligações energéticas ou ferroviárias. Diz-se assim: “Vamos fazer estas ligações de infraestruturas entre os estados membros, mas cada um paga a sua parte”. Mas depois, quando algum país não quer, não avançam. Portanto, precisamos de ter capacidade de decisão e execução orçamental, capacidade política a nível central. Isso implica que a União Europeia tenha capacidade orçamental acrescida. Sou, por exemplo, adepto de haver um subsídio de desemprego europeu. Não sei se a Segurança Social não deveria ser europeia, porque os meus filhos estão a pagar as pensões dos holandeses. Estão a descontar, mas não para a Segurança Social dos portugueses. Esse é um problema. Essa é uma ideia da Europa muito diferente. Se temos liberdade de circulação de pessoas e um mercado único, isso significa que os cidadãos europeus vão para as regiões que criam mais e melhor emprego e, a meu ver, desejável. portanto, as regiões mais pobres têm menos capacidades de gerar recursos para sustentar as suas populações. Se nos Estados Unidos não houvesse uma Segurança Social federal, as pensões das pessoas do Missouri ou do Arkansas não eram pagas. É um caminho a fazer? É uma evolução possível e, Porque é que aceitou este desafio de presidir ao Congresso da APDC? Apesar dos lamentos, fazemos coisas excecionais a nível tecnológico. É bom termos um momento de celebração deste caminho. Quando era ministro da Economia, não tinha a responsabilidade das telecomunicações, mas tinha a clara noção de que não seríamos competitivos se não tivéssemos tecnologias de comunicação e de informação de primeiro mundo. Neste sentido, como vê o papel de associações como a APDC? São geradores de ecossistemas. Organizações onde os diversos stakeholders numa cadeia de valor se sentam à mesma mesa para facilitar as discussões que têm mesmo de acontecer. O que uma associação como a vossa faz, é criar pontos de diálogo e de contacto.• 27
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