management 50 total e, mais importante ainda, de acordo com um propósito que lhe dá sentido à vida. Sim, tornou-se numa YOLO. Porque só se vive uma vez. VIDA NOVA Quando Helder Oliveira entrou na banca, com 22 anos, esse era um setor muito estável, onde não havia despedimentos. Por isso acreditou que seria uma carreira para a vida. De facto, passou lá 26 anos, mas em 2016 sentiu que aquilo que estava a fazer já não o estimulava. Tinha dobrado já a esquina dos 45 anos. Para trás ficavam, números redondos, duas décadas de trabalho regular. Para a frente, o horizonte temporal de que dispunha era o equivalente. Encontrava-se rigorosamente a meio do seu percurso: “De repente, aos 48 anos, senti que não me ia reformar na banca. Tinha trabalhado em três bancos, um dos quais me marcou, o BPN, por onde passei na fase da nacionalização, o que constituiu um marco histórico para toda a gente que lá trabalhou”. A crise que se abateu sobre aquela instituição bancária, e que fez muitas manchetes de jornais, foi o que o levou a pôr tudo em causa: “Percebi que aquilo que eu acreditava que ia ser o meu futuro de estabilidade em termos profissionais, de rendimentos e de segurança, podia não acontecer. A isso acrescia o facto de eu sentir que o que fazia não me estimulava”. Foi então que decidiu mudar, contra todas as expetativas: “Aos 25, 30 anos, nunca pensaria que perto dos 50 tomaria uma decisão deste tipo. Aquilo que quando era jovem me lembro de ouvir aos meus colegas que já se encontravam nessa faixa etária era conversas sobre negociações para a pré-reforma (risos)”. Mas Helder, também no seu caso um YOLO que se fez antes da pandemia, arriscou num negócio próprio de consultoria financeira. Começou com dois clientes e hoje, passados cinco anos, já tem razões para afirmar que não se arrependeu de dar este passo. O que ganhou? Essencialmente autonomia e realização profissional: “Dediquei-me ao projeto a tempo inteiro, Mesmo os profissionais que estão estáveis no mercado, começaram a valorizar mais a flexibilidade do que a segurança mas ganhei a gestão desse tempo, que é uma coisa que não tem preço. De facto, não tenho mais tempo livre do que tinha, mas ganhei autonomia”. Outra coisa que valoriza é a circunstância de agora trabalhar para vários clientes: “Foi um dos meus desígnios, quando saí da banca: o de não voltar a trabalhar para uma só entidade. Pois diversificar clientes implica fazer coisas diferentes e isso é muito mais estimulante, porque exige flexibilidade mental, o que é muito agradável”. A pandemia não alterou a sua rotina, mas percebe bem o twist que gerou no mindset de muitos amigos da sua idade: “Conheço muita gente na minha faixa etária que resolveu mudar de vida. Só na banca, que é a realidade que melhor conheço, saiu muita gente”. Helder não fala dos que ficaram desempregados, mas de ex-colegas seus que, podendo ficar, decidiram negociar planos de rescisão para, com o dinheiro recebido, investir em novos projetos profissionais. “Quase todas as pessoas com quem tenho falado e que tomaram essa decisão dizem-me lamentar não ter tomado a iniciativa mais cedo”, partilha, com verdadeiro entusiasmo. Pai de millenials, está em boas condições para acompanhar as histórias que vão acontecendo com amigos dos filhos: “Alguns desempregaram-se, deixando os pais chocados, mas eu compreendo perfeitamente esses miúdos, embora as suas causas não sejam as mesmas das pessoas da minha idade. Deixaram empregos que não os motivavam. Percebo que não se motivem num só projeto. Eu, se agora estivesse ligado a um só projeto, não estaria motivado e tenho mais de 50 anos! (risos)”. TEMPO PARA PENSAR Managing director da The Key Talent, empresa que opera na área do recrutamento, Hugo Bernardes não dispõe de dados que revelem a dimensão que este fenómeno está a alcançar em Portugal. Admite, porém, que a pandemia tenha tido um papel relevante neste contexto, embora esteja convencido de que “esta tendência já existia”: “De há cinco anos a esta parte começámos a ter muitos consultores que viraram free lancers, abandonando os postos de trabalho seguros”. As razões que estão por detrás de decisões deste tipo prendem-se com “o nível de saturação” que ele deteta “em muitos profissionais”. Por diversos motivos: “Não querem tra-
Helder Oliveira deixou a banca para se lançar, depois dos 45 anos, no seu próprio negócio. Diz que assim ganhou a gestão do seu tempo, o que para ele “não tem preço” balhar tantas horas, sempre a fazer a mesma coisa, ou não desejam depender de uma só empresa, entre outras razões”. Um dos fatores que favoreceram a tomada de consciência destes níveis de insatisfação durante a pandemia foi “o tempo disponível que as pessoas tiveram para pensar, sobretudo as que estiveram em layoff”. Pessoalmente conhece casos: “Estou a lembrar-me de uma pessoa que largou a sua profissão, muito bem paga, e que depois da pandemia resolveu ir para o interior do país dedicar-se à agricultura biológica”. A reavaliação que está na base deste tipo de decisões tem a ver, não duvida, com o tema do propósito, que primeiro foi colocado pela geração millenial e que hoje, por ser cada vez mais relevante, se está a tornar intergeracional. Porém, Hugo Bernardes faz uma ressalva: “Cá o fenómeno também há-de ganhar expressão, mas com o devido ajuste ao que é o nosso mercado e a nossa economia. Porque é conveniente não esquecer que em Portugal só 20% a 30% da população trabalhadora pôde fazer trabalho remoto. E poucos terão capacidade financeira que lhes permita, de um momento para o outro, assumir o risco de fazer uma mudança radical na sua carreira”. Para o managing director da The Key Talent, uma coisa é certa: passarão a existir cada vez mais pessoas que, até há pouco tempo, viviam só com o foco no trabalho, a pôr em causa este estilo de vida. A morar no Ribatejo, Maria Coelho Rosa diz que a decisão de sair de Lisboa, onde sempre viveu, foi já influenciada pela pandemia. Antes, conseguiu alinhar-se consigo própria no que diz respeito à atividade profissional; agora, sente que atingiu a harmonia total. Helder Oliveira, por seu turno, diz-se realizado e feliz: “Não vou questionar porque não tomei estas decisões antes, porque acho que tudo tem o seu tempo. Mas ainda bem que o fiz. Mudar aos 45, 50 anos, não é problema algum. Podemos começar de novo e até em diferentes áreas. Temos experiência mais do que suficiente para isso”. • 51
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