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COMUNICAÇÕES 239 - Alexandra Leitão: Fazer Política para as Pessoas (2021)

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a conversa 18 As

a conversa 18 As pessoas têm uma imagem de si como uma pessoa combativa, que vai à luta. É assim que se vê a si própria? Sim, é assim que me vejo: combativa. Adjetivo usado como uma qualidade ou um defeito, é assim que me vejo. Mas julgo que não sou conflituosa. E, na verdade, a qualidade que mais prezo num político é, além da verdade, a coragem. Porque não vale a pena estar nestes lugares para gerir o dia a dia. Essa imagem colou-se a si pelo seu papel como secretária de Estado da Educação. Sim, em parte por opção minha – devido ao processo dos contratos de associação, que foi uma política que quis muito e lutei para implementar –, mas a outra parte por questões que me foram caindo no colo. A coragem não chega para fazer um bom político, mas sem ela a política fica muito fragilizada. Nos cargos públicos que desempenha, já a aconselharam a ser contida? Como gere isso? Há momentos em que sente que não pode ser, em que é quase uma indignidade continuar contida por uma questão de estilo? A certa altura o estilo tem de ceder ao sentimento? Já me aconselharam, sim, pontualmente. Quer na Educação, quer aqui no ministério. Gente que aprecia o meu trabalho partilhou comigo que ouvia comentários de pessoas a dizer: “A secretária de Estado parece que está sempre um bocado zangada”. E eu comecei a pensar: a combatividade não pode ser confundida com zanga. Até porque, do ponto de vista pessoal, não é difícil perceber que eu sou afável, gosto de pessoas. Para a mensagem passar melhor, mais eficazmente, é preciso usar palavras menos contundentes – sem que a ideia perca a força. Sem nunca abdicar das minhas convicções, aprendi que o estilo pode ser limado. E eu tenho seguido esses conselhos. Sou muito transparente e isso nos debates vem ao de cima. Ainda assim, sou melhor a debater do que a fazer discursos Mas é-lhe difícil fazer esse esforço? Nem todos os assuntos estão num plano de princípios, de convicções profundas. Há temas em que é mais fácil moderar a linguagem. Eu não consigo fazer aquilo a que se chama “poker face”, não tenho a capacidade de ser impenetrável. Sou muito transparente e isso, nos debates, vem ao de cima. Ainda assim, sou melhor a debater do que a fazer discursos. Melhor na dialética do que na retórica. Lembro-me da primeira vez em que fui à televisão como secretária de Estado da Educação, em abril ou maio de 2016, num programa da TVI com a Judite Sousa, sobre contratos de associação. Foram cerca de 15 minutos de debate. No dia seguinte, como eu era uma ilustre desconhecida, as reações nas redes sociais formam surpreendentes: “Quem é esta pessoa, com este ar tão natural e descontraído, que vai à televisão de cabelo apanhado, sem maquilhagem, fora do padrão estético vigente?”. As reações foram muito interessantes. Hoje, perdi esse efeito surpresa (risos). Foi um início de vida pública que me marcou muito positivamente. Pensando na pessoa que é, nos seus valores, naquilo em que acredita, isso foi forjado em casa, no seio familiar? Ou mais tarde, na universidade, quando se começa a envolver na política ativa? Há um contexto familiar de engajamento político, sobretudo do lado da minha mãe, que foi presa política nos anos 60. Isso marcou-lhe a vida e os valores que transmitiu à filha única que sou eu. A sua mãe foi presa em que contexto? Era enfermeira, resistente ao antigo regime e foi presa pela PIDE, durante dez meses, no Porto. No caso, por manifestação e, claramente, por uma questão ideológica. A sua é a ilustre geração que cresceu em liberdade. Das entrevistas que deu, percebe-se a sua combatividade contra quaisquer que sejam os regimes totalitários. Há uma têmpera que passa de geração em geração, quase como um código genético? Sim, há o tal contexto familiar, um engajamento de esquerda. Bebi muito disso. Nasci em 1973 e, no fim dos anos 70, lá em casa ouvia-se o Barata Moura, mais

“Podemos lutar contra o determinismo da nossa vida, mas deixemo-nos de coisas: alguns vão ter de pedalar muito mais para chegar lá, dependendo do seu contexto. E é nessa dimensão do Estado Social que acredito” tarde muita música de resistência, além das histórias que fui escutando. Isto forma-nos na mais tenra idade. Mas tenho também de falar da faculdade, que foi um período muito importante para mim. Consegui viver plenamente essa fase da vida. Tirei o curso com boas notas – o que depois me permitiu fazer a carreira académica que pretendia –, mas também conheci um grupo determinante de pessoas, engajei-me ativamente nas listas para a Associação Académica e, mais tarde, para os órgãos da faculdade. Vivi a experiência académica muito plenamente, em todas as dimensões. Quem é que mais a influenciou na política? Quem é que mais a convidou a pensar nos seus fundamentos? O que lia na adolescência que ajudou a forjar o seu pensamento? Tenho dificuldade de nomear apenas uma pessoa ou um livro. Sei que bebi muita inspiração nas músicas do Adriano Correia de Oliveira e do Zeca Afonso. Também comecei a ler muito cedo, gosto muito de ler, e às vezes ia à estante buscar obras que não eram apropriadas para a minha idade. Li, por exemplo, os “Esteiros”, de Soeiro Pereira Gomes, um livro que durante a minha vida já deu grandes discussões com muitos amigos sobre a tensão entre os princípios da liberdade e da igualdade. Para mim, a liberdade é um valor fundamental, mas não a concebo sem a igualdade. Um certo neoliberalismo posterga a dimensão igualdade em nome de uma liberdade absoluta, em que somos os únicos responsáveis pelo nosso destino. Acredito firmemente que podemos lutar contra o determinismo da nossa vida, mas deixemo-nos de coisas: alguns vão ter de pedalar muito mais para chegar lá, dependendo do seu contexto. E é nessa dimensão do Estado Social que eu acredito. Os livros são janelas extraordinárias… Sim. Li por exemplo o Alves Redol, muita literatura portuguesa, e alguns autores russos, isso mais tarde. 19

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