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COMUNICAÇÕES 238 - MULHERES E TECNOLOGIA O NAMORO QUE ACABARÁ EM CASAMENTO (2021)

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t ema de capa 18 peso

t ema de capa 18 peso que os estereótipos têm na família e na sociedade, determinam a elevada taxa de desistências. A embaixadora em Portugal da Women in Tech percebe como “é difícil visualizar o que um engenheiro faz na realidade”, quando trabalha, por exemplo, na área digital. “Os médicos e os advogados”, comenta, “aparecem nos programas de televisão e talvez por isso é que essas áreas são mais atrativas”. Os estereótipos, salienta, fazem o resto. Engenheira informática de formação, Cláudia sabe como pesa a assimetria de género: “Aos 14 anos frequentei aulas de código em que era a única menina e na faculdade, entre os meus professores, só havia duas mulheres”. Tal como Rosália Vargas, também Cláudia Mendes Silva acredita que um modelo mais experimental de ensino, em que se aprenda por projetos e de forma mais colaborativa, favorecerá não só a apetência pelas STEM, como também a inclusão. A Women in Tech tem mais de 20 capítulos oficiais em todo o mundo e conta com mais de 100 mil membros. Existe desde 2017 e, como os seus colaboradores trabalham pro bono, todas as suas ações resultam de parcerias, nomeadamente com organizações e instituições governamentais. Entre as iniciativas em que está envolvida para a promoção da equidade de género na área tecnológica, destacam-se programas de formação, de requalificação, de empreendedorismo e de liderança para mulheres. Em Portugal, esta organização já tem mais de 2 mil inscritos na sua plataforma. Todos os anos, durante a semana da Web Summit, atribui o prémio Global Women in Tech, numa cerimónia que é realizada a partir de Lisboa e que tem por objetivo dar visibilidade às mulheres que se destacaram na área tecnológica a nível mundial. Mas ao longo do ano fala-se muito da Women in Tech a propósito das mais diversas iniciativas. Empenhada na causa da equidade de género, Cláudia Mendes Silva faz questão de sublinhar que a organização que representa não é “o clube da Luluzinha, por oposição ao clube do Bolinha”: “Somos pela promoção da tecnologia para todos os géneros, pois temos de chamar todos para a mesa quando pensamos no futuro. Se não o virmos com outras lentes, uma parte da população não se sentirá representada”. O modelo mais experimental de ensino favorecerá a apetência pelas STEM, mas também a inclusão das raparigas BOOT BORA LÁ! Munique Martins, gestora do campus da Ironkack em Lisboa, um bootcamp que faz formações de requalificação, não podia estar mais de acordo. A esta organização, que está em Portugal desde 2018, chegam formandos de perfis diversos, mas as mulheres gozam de algumas atenções: “Fazemos bolsas dedicadas a mulheres e, através do sistema income share agreement, permitimos às que estão em situação de desemprego que paguem o bootcamp só depois de estarem empregadas”. Consciente do enviesamento do mercado de trabalho em prejuízo do sexo feminino, Munique gosta de sublinhar que a Ironhack faz questão de incluir mulheres no seu staff: “Dentro da empresa estamos atentos às questões relativas à inclusão e diversidade e somos consequentes”. Dos formandos que recebe, 45% são mulheres, apesar das matérias que ensina serem tradicionalmente associadas a “áreas masculinas”: Web developments, Análise de dados, Cibersegurança e UX/UI Design. Muitas chegam ao Ironhack em situação de desemprego (42%), vindas de áreas que foram muito afetadas pela pandemia, como hotelaria e turismo. Mas o aproveitamento, diz Munique Martins, tem sido bom e os resultados estimulantes: “Dos alunos que frequentaram o nosso bootcamp no ano passado, 60% já estão colocados”. A sociedade civil parece estar cada vez mais alinhada com esta agenda. Miriam Santos, uma engenheira de 29 anos, além de estar ligada à SUPERA, projeto da Universidade de Coimbra que promove a equidade de género na investigação científica, decidiu lançar “As Raparigas do Código”. Atualmente a fazer doutoramento em Ciências e Tecnologias da Informação, o ano passado Miriam desafiou alguns colegas a envolverem-se nesta ideia, que se distingue das outras todas: “As Raparigas do Código são uma comunidade. Sabemos que existem outras comunidades e iniciativas que promovem a igualdade de género na tecnologia e awareness em relação às carreiras tecnológicas. A originalidade deste projeto é que tem uma componente mais forte ao nível da educação e mentoria”, explica. Miriam sentiu que, para atingir os seus objetivos, aos projetos que existiam faltava elan. Algo que oferecesse conhecimento, mas também aproximação ao meio profissional, que associasse teoria e prática, mas de forma envolvente: “Em Portugal, temos programas educativos, mas que falham na criação de comunidade e de contacto com o setor. Muitos nem são especificamente desenhados para mulheres e dirigem-se a quem já tem uma ideia definida do que quer seguir, da tecnologia que quer aprender”. São programas de reskilling

ou upskilling, atrativos para quem tem certezas até porque, não raras vezes, têm custo elevado. A criadora de As Raparigas do Código quis desenvolver algo que permitisse explorar as STEM sem custos, nem compromissos, mas beneficiando da mentoria de profissionais qualificados. Conseguiu-o construindo o seu projeto apenas a partir de trabalho voluntário e muita paixão: “Tenho a colaborar comigo homens e mulheres espetaculares. Começámos o primeiro ciclo de workshops este ano e a recetividade está a ser excelente”. A ideia inicial era desenvolver este programa nas escolas, através da criação de pequenos hubs, mas a pandemia alterou os planos. Criaram então um site e lançaram-no através do Instagram. Embora concebida para raparigas em idade escolar, a comunidade As Raparigas do Código começou também a atrair licenciados. Nos seus workshops ensina-se Introdução à Programação,- Tecnologias Web e estimula-se, através da mentoria, o interesse das alunas em áreas tecnológicas diversas, desde IA e Ciência dos Dados à Cibersegurança. O acesso a esta formação é gratuito e quem a faz tem oportunidade de experimentar algo que é muito diferenciador: “Não nos limitamos a dizer ‘venham para a tecnologia’. Através do catalisador educação, a nossa mensagem é: ‘Está aqui, experimentem, vejam, errem, e depois percebam, através da experiência prática, que esta não é uma área masculina, em que os rapazes estão mais aptos do que cada uma de nós’”, frisa Miriam. Esta abordagem cria um sentido de comunidade, que a fundadora de As Raparigas do Código considera fundamental para que este movimento de aproximação das mulheres às STEM cresça verdadeiramente. UM PASSO À FRENTE Nada há, porém, que seja mais eficaz no combate aos preconceitos do que destruí-los pela raiz. Clara Gonçalves, vice-presidente para as Parcerias da ENSICO – Associação para o Ensino da Computação está a fazê-lo à frente de um projeto inovador de literacia digital. Inspirada num programa que há dez anos está a correr no Reino Unido e nos EUA, a ENSICO, formada por docentes universitários e profissionais das TIC, arrancou o ano passado, no Porto, com um projeto-piloto de ensino de ciências da computação. Ciente de que aquilo em que está envolvida é mesmo novo, Clara Gonçalves esclarece: “Quando falamos do ensino da computação, não estamos a falar em programação, nem em Só experimentando, vendo, errando, com a prática, é que as raparigas perceberão que as TIC não são uma área masculina requalificação, nem de dotar miúdos de competências na área da robótica. Aquilo que fazemos é criar bases – à semelhança da matemática e do português – que vão acompanhar os nossos alunos para o resto da vida”. Clara esclarece que o programa da ENSICO visa alunos dos seis aos 18 anos e o seu objetivo é “dotar os formandos de pensamento computacional, pensamento estruturado, altamente criativo”, tudo valências que serão determinantes no futuro, quando existirem profissões que hoje ainda não imaginamos. O que está em curso não é, pois, a formação de futuros engenheiros ou programadores, mas dos profissionais do futuro, pessoas que precisarão de dominar o pensamento computacional tal como dominam a sua própria língua, para que lhes seja natural “dialogar com os computadores”, explica Clara. Uma das grandes inovações do projeto da ENSICO é a ligação que tem à indústria de software, que atualmente fornece os master teatchers que dão formação em Ciências da Computação, em regime de voluntariado, aos professores que futuramente irão lecionar estas matérias nas escolas. “Estes conteúdos estão também a ser preparados pelos nossos especialistas em Ciências da Computação e Pedagogia e em parceria com a Open University, no Reino Unido”, refere a responsável para as Parcerias da ENSICO. Neste projeto, os preconceitos que se matam à nascença são os que têm a ver com as ciências da computação, tomadas por inacessíveis. Quanto às questões de género, pouco se colocam quando lado a lado se sentam meninos e meninas a aprender desde os seis anos a linguagem dos computadores. Contudo, não é irrelevante que a Math Girl, a youtuber que há anos faz sucesso a explicar a matemática aos mais novos, seja uma das master teatchers do projeto. Desta feita, caem vários mitos de uma assentada, enquanto o ensino das ciências da computação vai fazendo tração na sociedade: “O nosso objetivo é, no final dos três anos que constituem este piloto, entregarmos este corpo de conhecimento e todo este movimento que estamos a criar ao Ministério da Educação, para que possa, se assim o entender, implementar esta disciplina”. Com tantos projetos em tantas áreas, é apropriado dizer que estamos a assistir em Portugal e na Europa a um movimento pró-equidade como nunca se viu. São luzes que se acendem ao fundo de um túnel que se mede, mesmo na idade contemporânea, em décadas. Uma história que há-de ter final feliz.•

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